O Nordeste tem condições e está consciente de que é possível gerar energia farta, segura, barata e ecologicamente correta, ajudando o País no seu processo de desenvolvimento
A energia eólica entra num círculo virtuoso no Nordeste a partir deste setembro com a inauguração, pelo presidente Luiz Lula da Silva, em Camocim (CE), de uma usina com 50 aerogeradores e capacidade instalada de 104,1 MW, o suficiente para atender a cerca de 410 mil habitantes. Trata-se do segundo maior complexo do gênero da América Latina e com ele o Nordeste passa a ser o maior produtor de energia eólica do País.
O investimento foi de R$ 500 milhões, mas a pretensão do grupo português Siif Énergies do Brasil (HLC) é instalar mais 1.000 MW no País nos próximos cinco anos, boa parte no Nordeste. O HLC já opera duas usinas eólicas no Ceará: em Paracuru (23,4 MW) e Beberibe (25,2 MW). Outra, de 54 MW, em Amontada, também no Norte do Ceará, será inaugurada até novembro. No total, os investimentos somam R$ 1 bilhão podendo, ainda, instalar outros 400 MW caso seus projetos sejam seleciondos no leilão do Proinfa - 250 MW no Ceará e o restante no Piauí.
Outro grupo estrangeiro, o IMPSA, da Argentina, prevê a entrega até o final de outubro, também no litoral cearense, de três novas eólicas com 99,6 MW de capacidade instalada e investimentos totais de R$ 550 milhões.
Melhores jazidas - Em termos de produção de energia, o aproveitamento de todo o potencial dos ventos que sopram no Nordeste é uma janela escandalosamente escancarada e subutilizada até aqui. Se considerada a velocidade e comportamento de sua brisa, o Nordeste tem um verdadeiro tesouro. Segundo o vice-presidente da Associação Mundial de Energia Eólica, Everaldo Feitosa, as jazidas de vento do País estão entre as melhores do mundo { sem a ocorrência, por exemplo, de ciclones e turbulências como as dos Estados Unidos e Europa}.
Aparentemente, o “tesouro” está sendo descoberto por grupos de variados portes e nacionalidades, desde gigantes multinacionais até empresários nordestinos. A melhor amostra disso é o interesse deles pelo leilão do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia) marcado para novembro próximo. Nele foram inscritos 441 projetos, totalizando 13.300 MW, a maioria para os estados nordestinos. Como na fase inicial do programa esse total não chegou a 1,5 mil MW, isso reflete a confiança dos investidores na inserção definitiva da energia dos ventos na matriz energética brasileira.
Entre produtores ou fornecedores já se anota na região a presença de gigantes estrangeiros como a General Eletric (GE), Siemens, Alstom, Wobben, Impsa, GDF-Suez, Suzlon, Fuhrlander, Iberdrola, EDP, Pacific Hydro, Fortuny, e nacionais como Petrobras e Cemig.
Potencial e vantagens - Segundo o último Atlas Eólico do Brasil, o País tem capacidade e estrutura para gerar 143 mil MW de energia eólica, o equivalente a 12 itaipus. Em novo levantamento, com base na geração com torres de 100 em vez de 50 metros, esse potencial supera 300.000 MW, sendo 70%, aproximadamente, nos estados nordestinos, especialmente Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte. Isso sem compatibilizar o potencial de produção offshore já que no mar a condição física é melhor, os ventos são mais constantes do que em terra.
O Nordeste oferece uma série de vantagens competitivas para esse tipo de empreendimento. Além da qualidade dos ventos, a Região tem condições excepcionais em termos de "complementaridade eólico-hídrica” em função do regime de chuvas e da ventania que se concentram no primeiro e segundo semestre, respectivamente. Por outro lado, a usina eólica não exige deslocamento de populações, tem baixo impacto ambiental e sua montagem pode contar com o parque industrial brasileiro.
Pedras e mitos – O Ceará e o Nordeste têm condições e estão se conscientizando de que é possível gerar energia com o vento, de forma barata, farta e ecologicamente correta, ajudando o País no seu processo de desenvolvimento. Mas, lembrando o poeta, no caminho tem uma pedra – o gargalo do financiamento - e alguns mitos prevalecentes entre autoridades do Governo e do Congresso. Como o de que energia eólica é cara, desnecessária, insegura e dependente de tecnologia importada. Conforme o deputado Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE), existe muito preconceito no Governo contra energia solar e eólica por conta de um discurso ultrapassado.
Para o empresário Lauro Fiúza, diretor da Associação Brasileira de Energia Eólica ABEEólica, quando se computa a complementaridade entre os sistemas hídrico e eólico tem-se uma economia razoável para o País e para o consumidor, pois o uso da eólica minimizaria o acionamento das termoelétricas que produzem energia suja e cara. Sobre a pseudo dependência tecnológica, o dirigente da ABEEólica garante que isso não tem sustentação. Hoje, por exemplo, o Brasil fornece à GE mais de 60% das peças e equipamentos dos aerogeradores que ela monta mundo afora. A entidade já identificou mais de mil indústrias no Brasil aptas a entrar no segmento.
No caso da insegurança, o deputado federal cearense Paulo Henrique Lustosa diz que o risco é muito menor do que o representado pelas relações com Bolívia (gás) ou Venezuela (petróleo) e que as redes suportam a distribuição sem problemas, como já provado por estudos da Eletrobras.
- Assim, reforça Lauro Fiúza, devemos vê-la como potencial de riqueza para o País, de atração de investimentos estrangeiros e geração de empregos e divisas via atração de montadoras.
pedras no caminho - O grande gargalo do setor eólico hoje é representado pela escassez de financiamento. O orçamento da Sudene e do FNE são insuficientes para satisfazer às necessidades de demanda atual e futura, mesmo que fossem inteiramente bloqueados para o setor.
De um lado, tem-se a autarquia recriada recentemente, cujo orçamento é de R$ 1,4 bilhão, todo reservado para a Transnordestina. No FNE, o fundo constitucional operado pelo BNB, os recursos giram em torno de R$ 8 bilhões para assistir a todas as atividades produtivas em 11 estados. Do outro lado, considerando apenas os projetos inscritos no leilão de novembro, os investimentos somariam R$ 66 bilhões, dos quais boa parte ficará no Nordeste e demandará financiamentos.
Mesmo com a duplicação dos dois fundos a equação não fecha e isso preocupa muito a ABEEólica. O cearense Lauro Fiúza, à vista da reserva dos fundos da Sudene para a Transnordestina no biênio 2009/10, sugere mobilização política para contornar a escassez de recursos. “Nada contra a ferrovia, cuja importância reconhecemos, mas é preciso buscar alternativa”, diz, destacando que no caso do BNB, seus dirigentes estão empenhados em obter novas fontes de recursos.
Outro problema é que uma política de longo prazo para a energia renovável requer muita pesquisa como faz a Espanha, por exemplo, que possui um grande centro em Pamplona. É preciso, ainda, ver pontos como a questão tributária, marcos regulatórios com regras claras, objetivas e estáveis para o mercado; definição de um sistema de apoio para crédito e pesquisa através do fundo setorial de energia, elaboração de um Plano Nacional de Energia, com mecanismos de incentivo à energia renovável, e propostas efetivas a apresentar aos candidatos a Presidente da República como forma de comprometê-los com o tema.
O MAIOR APOIADOR
Com, aproximadamente, R$ 1 bilhão desembolsado e R$ 1,6 bilhão em projetos sob análise, o BNB hoje é o maior agente financeiro para o segmento de energia eólica do País. Numa exposição recente para investidores e especialisas de todo o País, reunidos na Power Future, em Fortaleza, seu presidente, o economista Roberto Smith, deixou clara sua simpatia pela geração de energia alternativa no Nordeste. Mas também não escondeu a preocupação quando à escassez de funding para absorver as demandas de projetos de usinas eólicas, solares e de biocombustíveis. Tanto que anunciou contatos com o governo para captar pelo menos R$ 3 bilhões para assistência ao setor. Os projetos já aprovados pelo BNB somam investimentos de R$ 2,2 bilhões para uma geração de 481 MW. Para o diretor Financeiro e de Mercado de Capitais do BNB, Luiz Henrique Mascarenhas, o esforço do Banco se volta também para a instalação de uma industria de aerogeradores na Região, capaz de atender à demanda local e exportar equipamentos. Conforme Mascarenhas, o BNB vem investindo não só na construção de parques eólicos, mas na estruturação do setor. No total, o BNB já investiu R$ 2,7 bilhões em energia alternativa, incluindo eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas. |